Por: : Raíssa Moreira Lima
Mendes*
Neste livro, Nathalie Heinich expõe
as várias formas de se pensar a arte em relação à sociedade, apresentando as
escolas e filosofias envolvidas historicamente e metodologicamente. Fazendo uso
de inúmeros autores e recortes históricos, traça o curso do pensamento
sociológico contemporâneo sobre a arte. Faz o recorte a
partir das artes plásticas, literatura e música, de acordo com ela, as mais
estudadas hoje e dá ênfase particular nas primeiras, que produziram as
pesquisas mais numerosas e mais ricas de novas perspectivas.
Na primeira parte, contempla a história
da disciplina, já que segundo a autora, para compreender o que a sociologia da
arte é, e para que nos situemos em meio a resultados desiguais e numerosos é
indispensável a reconstituição de seu histórico, o que a autora faz
distinguindo três gerações cronológicas e intelectuais, a da estética
sociológica, da história social da arte e a da sociologia de pesquisa (pág.
19).
Já na segunda parte, expõe os
principais resultados da sociologia de pesquisa em função de suas grandes
temáticas: recepção, mediação, produção e obras. Por fim, destaca as
possibilidades levantadas pela disciplina para compreensão de que a mesma se
constitui num verdadeiro desafio à sociologia, sabendo que se a sociologia da
arte tem como missão compreender melhor a natureza da experiência e dos
fenômenos artísticos, ela deve também, consequentemente, levar a Sociologia a
refletir sobre sua definição e seus limites.
Explica que é de uma “história cultural
da arte” que provêm os trabalhos que poderão ser relidos como premissas de uma
sociologia da arte e que esta nasceu entre os especialistas de estética e de
história da arte, preocupados em operar uma ruptura com o binômio artista/arte
introduzindo como terceiro termo ”a sociedade” (pág. 26).
Assim a primeira geração refere-se á
uma “estética sociológica, primeira metade do século 20, na tradição marxista e
entre historiadores de arte atípicos por volta da Segunda Guerra Mundial. A
segunda, durante a segunda guerra, a “história social da arte”, preocupada com
os contextos em que evoluem as obras, com uma relação de inclusão da arte na sociedade. E a terceira seria a da
sociologia de pesquisa, desenvolvida graças aos métodos modernos provenientes
da estatística e da etnometodologia, considerando a arte como sociedade, o
conjunto das interações dos autores das instituições, dos objetos, evoluindo
juntos de modo a fazer existir o que chamamos comumente de arte, tendo como
principais centros França e Estados Unidos e França, não tendo a universidade
mais do que um papel secundário (págs. 27 e 28).
A sociologia de pesquisa, portanto,
faria uma investigação empírica aplicada à época presente e não mais a
documentos do passado, interessando-se pelo funcionamento do meio em que se dá
a arte, seus autores, suas interações, sua estrutura interna, pelos processos
de que das obras, grandes ou pequenas, são a ocasião, a causa ou a resultante
(pág. 61). Para isso, vale-se do recurso da enquete (pág.62).
Assim, os sociólogos da arte podem
proceder à pesquisa das regularidades que governam a multiplicação das ações,
dos objetos, dos autores, das instituições, das representações, compondo a
existência coletiva dos fenômenos compreendidos pelo termo “arte” (pág. 64). E
para apresentar os resultados dessa sociologia de pesquisa a autora adota o
seguinte recorte dos diferentes momentos da atividade artística: recepção,
mediação, produção e obras (pág. 64). Começa pela recepção, que seria o momento
de “pôr no mundo” a atividade artística, por querer diferenciar a abordagem
sociológica da dos especialistas de arte, que geralmente terminam sua abordagem
tratando da recepção (pág.69). Abordando, para tanto, a morfologia dos
públicos, a Sociologia do gosto, as práticas culturais, percepção estética e
admiração artística. Ao tratar da mediação, explora as pessoas, instituições,
palavras e coisas bem como uma teoria da mediação, abordando sua hierarquia
específica. Quanto à produção, destaca o papel da morfologia social, e uma
Sociologia da dominação, também o que poderia ser uma Sociologia Interacionista
e uma Sociologia da Identidade. A respeito das obras, detalha a injução ao
falar das obras e a questão do relativismo, da interpretação e observação,
propondo uma sociologia pragmática.
Assim, ao tratar das tendências atuais,
sugere que o que interessaria à pesquisa é aquilo o que produz a arte e o que
ela mesma produz como elemento de uma sociedade ou “configuração” (termo que
ela toma de Norbert Elias), esta seria a tendência das direções mais inovadoras
da sociologia da arte recente, substituindo as grandes discussões metafísicas
pelo estudo concreto das situações. Para tanto, afirma que a arte é uma forma,
entre outras, de atividade social, possuindo suas próprias características (pág.
63).
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Segundo a autora, a arte contemporânea
desconstrói as categorias cognitivas, permitindo construir um consenso sobre o
que é arte, de forma muito m ais segura do que ela relata o estado da sociedade
industrial ou mesmo o status dos artistas na modernidade. Deste modo, o
sociólogo pode debruçar-se sobre as “obras em si mesmas”, demonstrando em que
elas desconstroem os critérios tradicionais de valoração ou em que elas
produzem ou ativam estruturas imaginárias (pág. 140).
De acordo com ela, não é buscando
interessar-se pelos objetos, ou pelas obras ou pelas pessoas, ou pelas
“condições sociais de produção” que o sociólogo faz obra especificamente
sociológica em matéria de arte, e sim interessando-se pela forma pela qual os
atores, de acordo com as situações, investem neste ou naquele momento para
assegurar seu relacionamento com a arte e com o valor artístico. Assim, não
caberia ao sociólogo escolher seus objetos e sim deixar-se guiar pelas mudanças
dos atores no mundo em que vivem (pág. 143).
Para a socióloga, após recorrer a
exemplos de pesquisas neste âmbito, afirma que a sociologia de pesquisa da
terceira geração provou que a sociologia da arte pode responder aos critérios
de rigor, aos métodos controlados e aos resultados positivos que atestam a
pertença de uma disciplina às ciências sociais, e não mais às tradicionais
“humanidades”, dotando as pesquisas a partir dos anos 60 de qualidade e
sugerindo que as mesmas suscitariam as opções entre diferentes escolas,
morfologia social, sociologia da dominação, sociologia interacionista,
sociologia da mediação, sociologia dos valores, sociologia da singularidade
(pág. 145). A autora, como já dito, discorre sobre cada uma delas e as
implicações advindas da escolha de cada abordagem.
Não se trata, portanto, de afirmar a
ligação entre a arte e a sociedade, porém, deve-se levar em conta a
socialização, já que constitutiva de todo indivíduo, assim também o seria da
atividade artística, como de toda atividade humana (pág. 146). Assim, sugere a
autonomização da disciplina, através da pesquisa empírica, estatística,
entrevista, observação ou análise pragmática das ações em situação o mais
próxima possível da realidade, condições mínimas para tal intento (pág. 147).
Sugere ainda uma sociologia dos
modos de recepção, das formas de reconhecimento e condição dos produtores, ao
invés da centralização numa sociologia das obras de arte (pág. 147). Propõe
também que se escape do sociologismo, que considera o geral como fundamento,
mas que se tenha como enfoque uma sociologia verdadeira, onde o sociólogo
sairia do reducionismo. Sua proposta ainda pauta-se no abandono da crítica,
onde não mais argumenta as controvérsias mas analisa, limitando seu espaço de
competência, não tendo de decidir se os atores “têm razão” mas mostrando quais
são suas razões. Por fim, propõem que se saia da explicação para a compreensão.
A autora vislumbra o surgimento de uma
quarta geração, que complementaria as anteriores, prolongando-as para além de
uma perspectiva essencialista e normalista, voltando-se para uma direção mais
antropológica e pragmática, estendida à compreensão das representações e não
mais somente à explicação dos objetos ou dos fatos. Desta forma, de acordo com
suas premissas, poderia-se verdadeiramente estudar a arte e a sociedade, a arte
na sociedade, e a arte como a sociedade, mais ainda, a Sociologia da Arte como
produção de atores.
HEINICH,
Nathalie. A Sociologia da arte. .
Tradução de Maria Ângela Caselatto e revisão técnica de Augusto Capella, Bauru,
SP: Edusc, 2008.
*Raíssa Moreira Lima Mendes é doutoranda em Ciências Sociais -
Sociologia pelo programa de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará -
PPGCS-UFPA. Mestre em Ciências Sociais (Sociologia e Antropologia) pelo
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais PPGCSoc-UFMA (2011). Pós-graduada
em Direito Público pela Universidade Gama Filho - RJ (2009). Advogada, graduada
em Direito pela Faculdade Santa Terezinha - Cest (2007). Desenvolve pesquisas
sobre desenvolvimento na Amazônia brasileira, populações tradicionais,
patrimônio cultural, artesanato tradicional, carpintaria naval, ambiente,
territórios emergentes e direitos culturais. Tem como foco de sua pesquisa os
usos sociais da natureza e gestão de recursos naturais.
2 comentários:
Muito bom o texto observando-o por uma óptica epistemológica, no entanto o debate sobre a sociologia da arte enquanto uma ciência que se propõem a estudar o artista através de seu interior e sua relação social tendo por base sua época,deve superar a questão metodológica de analise da disciplina, e ir além, estuando as relações em sociedade que coagem os sujeitos reprimido sua subjetividade, quanto também as questões que dizem respeito a importância da arte enquanto um requinte essencial para a emancipação dos indivíduos e exercício de liberdade e das potencialidades humanas.
Tens razão, Geovane! Excelente comentário.
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