quarta-feira, 31 de outubro de 2012

HOMEM PLURAL: Os determinantes da ação



                                                  Por:Maria do Socorro Rodrigues de Souza Aires *
Bernard Lahire (1963) é um sociólogo francês e professor na Escola normal superior de Lyon e diretor do Grupo de Pesquisa sobre a Socialização (CNRS). Dentre os seus estudos, destacamos a obra Homem Plural (2002) como importante referência teórica para as ciências sociais. Nesta resenha, tenho interesse em algumas colocações destacadas pelo autor  no tópico, Esboço para uma teoria do ator plural, em que propõem a não universalização dos achados científicos, a partir de uma reflexão crítica sobre as grande teorias sociais.
Lahire coloca em discussão as teorias da ação e do ator e afirma que há entre elas uma oposição que revela uma série de tensões interpretativas. A começar pelos termos que os autores usam pra designar “o homem nas formas de vida social”, o que também os relacionam a um determinado campo de pertença e seus adversários potenciais. Assim, nesta discussão ele utiliza o termo “ator”, tendo em vista que, o termo se relaciona a uma rede relativamente coerente de termos (p.10). Porém, o autor esclarece que a sua reflexão é direcionada para a “teoria da prática do habitus desenvolvidas por Pierre Bourdieu” e convidando-nos a “pensar com e contra” este autor, sem medo de exercer uma atividade crítica, tendo em vista, o resultado desta discussão (p.11).
Segundo o autor, o esboço da sua teoria do ator plural fundamentou-se em conhecimentos sociológicos, antropológico, históricos, filosóficos e psicológicos. Além de reflexões sobre as experiências literárias, sobre as práticas escolares e as práticas comuns da escrita ou ainda desenvolvidos relativos aos processos de incorporação. Lahire, descreve os elementos da sua teoria, a partir de cenas em que ele apresenta seus argumentos e desenvolve a reflexão a que se propõem. Desta forma, ele apresenta o ator plural na cena um, na cena dois ele indica os determinantes da ação, na cena três ele discute a analogia e transferência e, na cena quatro ele reflete sobre a experiência literária: leitura, sonho e atos falhos.
O ator plural
Neste ponto da obra, o autor faz uma comparação dos pólos do globo terrestre com o conjunto das teorias da ação. Para o autor, o conjunto das diversas teorias têm dois polos: um da unicidade e outro da fragmentação interna e a escolha de um, ou de outro pólo, “funda-se, em certos casos mais sobre pressupostos éticos do que em constatações empíricas” (p.17). Neste sentido, ele ilustra o pólo da unicidade com a teoria de habitus de Bourdieu e aponta que “esse exemplo, as vezes condensa ou cumula o conjunto das estatísticas mais ligada a um grupo social e é útil para demonstrar modelos macrossociológicos”. No entanto,  Lahire sugere que pode ser enganoso, quando tomado como um caso particular do real, devido a realidade do ator ser diferente, singular e enfatiza que as teorias da unicidade e da homogeneidade tanto da cultura como do ator não tem nenhuma evidência (p.20).
Lahire afirma que Goffman critica a teoria da unicidade sobre o ator, pois segundo ele, estas reúnem de certa forma as concepções comuns de si-mesmo e dão conta de uma maneira comum de focalizar a nossa percepção do outro. O autor questiona que assim, reconstituir o “estilo”, que perdura e se manifesta nos domínios mais diferentes de atividade, não é compartilhar a ilusão comum da unicidade e da invariabilidade? Neste sentido, ele enfatiza que Bourdieu tenta escapar das ideias de um eu reduzida, lembrando a construção social e literária representada pela “experiência comum da vida como unidade e totalidade”. Desta forma, o conceito de habitus (a sociologia) vem assim para não conceder nada ao empirismo em socorro de uma ilusão socialmente bem fundamentada, (senso comum). Segundo Goffman, isso pode cair numa espécie de empirismo radical que captaria apenas uma pulverização de identidade. O mesmo lembra a importância das perguntas que são de ordens para informar a sua identidade, a exemplo da carteira de identidade, onde o nome e sobrenome são os unificadores sumários da identidade pessoal (p.23).
Quanto às condições sócio-históricas da unicidade e da pluralidade, Lahire coloca que um ator portador de um sistema de dispositivos ou esquema homogêneos e coerentes, são necessárias condições socais totalmente particulares,que nem sempre são reunidas, ou se reúnem excepcionalmente Ele faz referência a Durkheim, quando este utiliza o conceito de habitus em duas situações históricas particulares: “as sociedades tradicionais” e o “regime de internato”, o primeiro caso, ele destaca o menor desenvolvimento das individualidades,e o aspecto mais fraco do grupo, é a homogeneidade das circunstâncias exteriores, tudo é comum a todos. Neste sentido, percebe-se a importância que Bourdieu deu ao trazer o conceito de habitus para capturar justamente o funcionamento de uma sociedade tradicional. A saber a sociedade cabila (p.24).
No segundo caso Durkheim emprega termo habitus a propósito da educação cristã como envolvimento da criança inteira, cuja influência é única e constante. Segundo o autor, o habitus em Durkheim corresponde ao internato que Goffman vem dizer que é “mundo total de sentido” modelo de comunidade indiferenciada, pelo fato de estar incrustada numa sociedade com forte diferenciação. Segundo Durkheim, os indivíduos só podem ter disposições socais gerais, concretas transponíveis de uma esfera de atividade a outra ou de uma prática a outra, somente se suas experiências sociais forem sempre governadas pelos mesmos princípios (p.25)
O texto também apresenta que Bourdieu inspirou-se amplamente na sociologia implícita de Panolsky para explicar e fortalecer a sua teoria do habitus, mas não acentuou a excepcionalidade do contexto histórico estudado, se o tivesse feito, sem dúvida teria tido que relativizar a unicidade e durabilidade e a transponibilidade dos esquemas ou das disposições constituintes do hábito. Para o autor, a coerência dos hábitos ou esquemas de ação que cada ator pode ter interiorizado é muito relacionado com a coerência dos princípios de socialização aos quais esteve sujeito, ou seja, todo corpo (individual) envolvido numa pluralidade de mundos sociais está sujeitos a princípios de socialização heterogêneos e, às vezes contraditórios que incorpora (p.31).
Lahire coloca que a socialização de um ser humano se forma por diferentes  repertórios de hábitos que não são equivalentes e por isso separados em contextos sociais diferenciados, assim, segundo ele em certos universos sociais é possível ser “consumidor”, enquanto em outros são produtores e profissionais. O ator afirma que estes contextos de interação se manifestam sob forma de campos, mas não necessariamente na perspectiva que Bourdieu imprime a estes (de lutas e de forças), pois nem todo interação social, nem toda situação social, pode ser atribuída a um campo.
 Ele afirma que certos campos são subcampos de outros campos, são construções científicas de uma realidade que não coincide com os cortes feitos para constituir outros campos. Para ele, tanto um objetos, quantos pessoas físicas podem pertencer a vários campos, assim como, muitos atores sociais estão fora de campo, imersos num grande “espaço social”. O autor aponta que há pouco interesse em compreender a vida fora de cena ou fora de campo dos produtores de campo (p.34). Ele menciona que a teoria dos campos é útil para uma série de questões científicas, mas cria outras problemáticas, sendo portanto, uma teoria regional do mundo social. O autor afirma que não se pode reduzir os atores aos seus habitus de campo, na medida em que suas expectativas vão além daquelas que podem viver no âmbito de um campo, pois um ator plural é produto da experiência de socialização em contextos sociais  múltiplos e heterogêneos (p.35/6).
Neste sentido, na cena dois em que apresenta os determinantes da ação e diz que pode-se distinguir duas grande tendências entre as teorias da ação e do ator. Lahire aponta que de um lado estão os modelos que conferem um peso determinante ao passado do ator e de outro estão os modelos que não levam em consideração o passado do ator, mas o momento de uma interação ou situação. Para ele esses modelos, ambos produzem conhecimentos sobre o mundo social, mas os seus estudos não se inscrevem nesta perspectiva (p.47). Segundo o autor, a questão do peso relativo das experiências e da situação presente para explicar as ações está fundamentalmente ligada à questão da pluralidade interna do ator, relacionadas a pluralidades das lógicas de ação as quais o ator é evado a sei inscrever.
 O autor afirma que a ação é sempre o ponto de encontro das experiências passadas individuais que foram incorporadas sob forma de esquemas de ação, de hábitos, de maneiras e de uma situação social presente. O passado incorporado pelo presente, mobiliza esquemas da experiência passada e o papel da analogia prática é muito importante, pois o raciocínio prático pode muito bem  negligenciar certos traços da situação e reter apenas um esquema relacional geral (p.69). Desta forma, Lahire afirma que o processo de transferência analógica, continua sendo usado pelos sociólogos com recursos expliar o funcionamento cognitivo sensório-motor, apreciativo, emocional, etc. Porém, trata-se de uma transferência limitada e condicional (condicionada por situações sociais).
Lahire, ainda analisa o aspecto da experiência literária: a leitura, sonhos e atos falhos. Para este autor, o sentido das leituras, as experiências que os leitores vivem om seus livros, são questões que os sociólogos praticamente deixaram de lado. O autor afirma que a leitura como experiência social não é aquela considerada a partir de uma sociologia do consumo cultural, mas como elemento da teoria da ação tal qual o autor concebe. Ele afirma que os textos literários permitem fazer uma volta a, prolongar, acompanhar ou prolongar a ação, pois a situação de leitura, é um quadro social, um contexto social que aproxima, assim, a sociologia das sensibilidades literárias de uma sociologia dos sonhos despertos e, afinal de contas de uma sociologia da ação.

LAHIRE, Bernard. HOMEM PLURAL: Os determinantes da ação. Tradução. Jaime A. Clasen. Petropólis, RJ: Vozes, 2002.

*Possui bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão (2008) e Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão (2008). Especialização em Educação Inclusiva pela Universidade Estadual do Maranhão (2011). Tem experiência com docência do ensino superior pela Universidade Estadual do Maranhão, onde exerceu a função de professora substituta pelo Programa Darcy Ribeiro atuando na rota Campos. Além de ter partcipado como tutora das disciplinas Metodologia de Pesquisa em Educação e Antropologia no curso de Pedagogia à distância (UEMANET). Tem experiência em Metodologia de Pesquisa Científica, na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia das religiões afro-brasileiras, atuando principalmente nos seguintes temas: tambor de mina, rituais religiosos, religião afro-brasileira, Terreiro Fé em Deus, festas populares e Sociologia da Educação.








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