domingo, 25 de fevereiro de 2018

Por que estudar Sociologia no ensino médio?

Por: Jesus Marmanillo Pereira

Assim como para muitos colegas, a pergunta “por que estudar sociologia?” também me foi colocada nas turmas onde entrei, quando iniciei a docência no nível médio em 2010.  Como explicar isso para alunos cujas ciências humanas foram limitadas nas disciplinas de História e Geografia por longos anos?  Longe de fornecer uma explicação final, trarei aqui pelo menos três justificativas que considero importantes. Trata-se de justificativas que foram buscadas na própria história do ensino de sociologia no Brasil, em minha experiência cotidiana da época em que lecionava no ensino médio, e na própria documentação produzida (Parâmetros Curriculares Nacionais, Lei de Diretrizes e Bases) para orientar o ensino de Sociologia.

1 - Aspectos históricos

Benjamin Constant e Augusto Comte
Para quem pensa que a Sociologia é uma disciplina recente que introduzida em 2008  no ensino médio, é importante enfatizar que ela foi inserida nesse nível desde 1890, quando Benjamin Constant publicou o decreto 981/1890 que regulamentava o ensino primário e secundário no Distrito Federal(NEUHOLD,2013). Naquele ano a disciplina passou a ser uma disciplina obrigatória, no ensino secundário público e também no ensino militar.

Em 1901 a ela foi retirada das grades curriculares, com a promulgação da Reforma Epitácio Pessoa. Vinte e quatro anos depois,  retornou por meio da Reforma Rocha Vaz, durante o governo de Artur Bernardes. Já em 1931 a Reforma Francisco Campos faz com que a  Sociologia voltasse  para os quadros de matérias complementares destinadas ao preparo dos alunos que desejavam ingressar nos cursos de nível superior. Essa última mudança deixa clara a tendência cientifica e o papel exclusivo da disciplina- para os poucos que tinham condições de investir na educação superior (FLORÊNCIO, 2007).
Depois de 1930, ela penetrou no ensino secundário e superior, começou a ser invocada como instrumento de análise social, dando lugar ao aparecimento de um número apreciável de cultores especializados, devendo-se notar que os primeiros brasileiros de formação universitária sociológica adquirida no próprio país formaram-se em 1936(CÂNDIDO, 2006).

O Sociólogo Enno D. Liedke Filho, explica que na década de 1930 houve o surgimento de uma sociologia de cátedra, ou seja, quando alcançou as disciplinas universitárias e promoveu a profissionalização da área, que até então era praticamente aberta para qualquer especialista que desejasse explicar a sociedade. Segundo ele a institucionalização acadêmica da Sociologia no Brasil ocorreu em meados da década de 1930, com a criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933) e com a criação da Seção de Sociologia e Ciência Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (1934).


 Nesse contexto, é importante ressaltar que: O período que se estende de 1925 a 1942, representa os anos dourados no ensino da sociologia. Seu prestígio sai do mundo acadêmico e atinge o cotidiano das classes médias [...]. Termos sociológicos se popularizam. Sua divulgação ocorre por meio da imprensa escrita e do rádio, que cada vez mais passam a utilizar o jargão sociológico em sua linguagem. O uso de termos como classes sociais, capital, alienação, feminismo, desenvolvimento social, crise moral e proletariado [...] ilustram a popularização desta ciência [...]. (MEKSENAS APUD FLORÊNCIO, 2007, p.6). Depois de 1942, a Reforma de Capanema retira a obrigatoriedade do ensino de sociologia na escola secundária.

Durante a ditadura militar em 1971, o governo determinou que a sociologia deixasse de ser lecionada nas escolas. Trinta anos depois, o congresso aprovou o retorno da disciplina nas escolas de nível médio, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - que era, inclusive, sociólogo pela Universidade de São Paulo- vetou a aprovação, argumentando que não existia um contingente de professores para suprir a demanda do ensino de sociologia, no nível médio. Em 2008, o presidente em exercício, José de Alencar (Vice-presidente do Luís Inácio Lula da Silva) sancionou a lei que garantia que a disciplina fosse obrigatória no ensino médio, estabelecendo o prazo de três anos para que todas as escolas se adequassem.


II - Sociologia na Sala de aula

Uma informação que necessita ser bastante divulgada é sobre a importância do conhecimento sociológico para a compreensão e diálogo com as áreas de História e Geografia. Tendo graduação e um pouco de experiência nessas áreas, uma coisa que sempre falei para os alunos do Colégio Liceu Maranhense é que: 1) A compreensão da revolução francesa não é possível sem uma interpretação sociológica da relação entre os três estados franceses, e 2) Pontos como migração, geopolítica e demografia podem ser mais bem explicados em relação aos temas de mobilidade social, estado, poder e identidade, elucidando a importância da Sociologia como uma peça que integra todas as áreas das Ciências Humanas.

 Desde o final do século XIX a História e a Geografia têm desenvolvido um diálogo intenso com a sociologia, resultando disso uma ênfase cada vez maior dessas áreas sobre os componentes sociais e humanos que interferem na construção de fatos históricos e mudanças nas paisagens geográficas. Contudo, cabe a Sociologia uma atenção maior e mais profunda sobre a análise da sociedade. Para o sociólogo as relações sociais, as formas como as pessoas se associam são os verdadeiros protagonistas da história e do espaço.  Talvez por isso Karl Marx percebeu a luta de classes como o “motor” da História, e não a história como o motor da luta de classes.

III - Sociologia na vida

Nas leis de Diretrizes e Bases da educação (LDB nº 9.394/96, Art. 36, § 1o, III) o conhecimento sociológico aparece como relacionado ao exercício pleno da cidadania.  Grosso modo, a Sociologia tende a ampliar a visão de mundo dos alunos, fazendo com que se percebem dentro de algo maior, como integrante de um todo social.  A compreensão de si próprio em relação ao grupo, possibilita refletir sobre aspectos relacionados aos papeis sociais, a importância da interdependência e divisão do trabalho.
Ao se perceber a importância das instituições, ele poderá adquirir outra visão sobre as regras e o sentimento de pertencimento. Por outro lado, essa relação entre o individuo e sociedade também possibilita pensar outro caminho(os das mudanças sociais) para se refletir sobre a formação das instituições.  Mas, seja qual for o caminho ( do individuo integrado a algo maior,  ou a de algo maior sendo construído por indivíduos)  as relações sociais, as interdependências são sempre elementos comuns para qualquer sociólogo.  

Sociologia Ilustrada


A sociologia possibilita a construção de uma visão (não compartimentada) sobre a sociedade, possibilitando entender como ocorrem às relações entre diferentes instituições, destacando rupturas e continuidades provenientes dos processos de mudança. Por exemplo, compreender a importância da instituição familiar para as instituições religiosas ou escolares.  As relações entre as instituições econômicas e políticas. Enfim, trata-se de uma disciplina que forma cidadãos com uma compreensão sistemática de sociedade que dialoga com outras áreas e formas de conhecimento. É possível averiguar, mais detalhadamente, um conjunto de habilidades e competências da Sociologia nos Parâmetros Curriculares Nacionais das Ciências Humanas

Conclusão

Considerando os aspectos históricos da Sociologia no Brasil, a experiência de docência na disciplina que tive no Colégio Liceu Maranhense e algumas habilidades e competências que ela possibilita ao aluno, é possível concluir que é uma disciplina que foi marcado na história como resultado de várias reformas educacionais, que não podemos esquecer que estavam vinculadas a determinados governos e atores sociais.  Trata-se de uma disciplina especializada nos fenômenos sociais, e por conta, disso com mais aprofundamento na compreensão do homem em suas relações cotidianas e extra cotidianas.  
Enquanto alguns intelectuais partem dos tempos históricos e as paisagens para compreender a sociedade, o Sociólogo parte da própria sociedade e analisa como suas ações deixam marcas no tempo e no espaço. Longe de esgotar todas as possibilidades de evidência a cerca da importância do ensino de Sociologia, conclui-se, sinteticamente, que essa disciplina possibilita uma compreensão e visualização dos mecanismos fundamentais da sociedade, por isso, evidencia também possibilidades de mudança a partir de situações sociais concretas observadas no dia a dia.  Por esse caminho é possível vislumbrar a cidadania na prática.

Referência
CANDIDOAntonio. “A sociologia no Brasil”. In: Tempo Social. Revista de sociologia da USP, v. 18, no 1, 2006
NEUHOLD, Roberta dos Reis. Positivismo e ensino de Sociologia: notas sobre as propostas de Benjamin Constant para o ensino secundário e as escolas normais nos primeiros anos da República. Saberes em Perspectiva, v. 3, p. 15-28, 2013.
LIEDKE FILHO, Enno D.. A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios.Sociologias,  Porto Alegre ,  n. 14, p. 376-437,  Dec.  2005
FLORÊNCIO, M. A. L.. A Sociologia no Ensino Médio: a trajetória historica no Brasil e em Alagoas. In: PLANCHEREL, Alice Anabuki; OLIVEIRA, Evelina Antunes F. de. (Org.). Leituras Sobre a Sociologia no Ensino Médio. Maceió: EDUFAL, 2007, v. , p. 

Um comentário:

Rogério Veras disse...

Muito bom o artigo, colocando os aspectos históricos necessários para entendermos as idas e vindas da sociologia como disciplina no ensino básico no Brasil. Parabéns Jesus!!