segunda-feira, 3 de março de 2014

Por uma Sociologia Histórica do Sindicalismo rural em Pernambuco *

                                                                                                                      Por: Jesus Marmanillo¹

KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Práticas Instituintes e experiências autoritárias: O sindicalismo rural na Zona da Mata de Pernambuco, 1950-1974. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, 420p.



O livro “Práticas instituintes e experiências autoritárias: o sindicalismo rural na Zona da Mata de Pernambuco 1950-1974”, escrito pelo Sociólogo Mauro Guilherme Pinheiro Koury, traz consigo, uma bela exposição dos condicionantes históricos e sociais necessários para a realização de práticas associativas na Zona da Mata Pernambucana entre os anos de 1950 e 1974, ou seja, trata-se de uma história social dos processos organizacionais dos movimentos sociais e sindicais da referida região (KOURY, 2012).

Por meio de um modelo sociológico processual e histórico, o autor demonstra a possibilidade elisiana e weberiana de análise de fenômenos associativos como movimentos sociais e sindicatos. Entre outras coisas, isso significou buscar os condicionantes necessários para a formação e legitimidade desses, ou seja, compreender o movimento social enquanto resultado de determinadas dinâmicas relacionais existentes entre determinados agentes, instituições que se relacionam entre si e também com determinado contexto histórico. Epistemologicamente, isso significa uma ruptura com o pensamento reificador que toma o movimento social e sindical enquanto coisa dada, como simples resultado de determinadas reivindicações ou, ainda, como um fenômeno compartimentado e apartado de outras questões políticas e sociais.

            Contrariamente o autor expõe que o binômio “luta pela terra e luta pelos direitos sociais nunca deixou de fazer parte do rol identidario presente nas organizações sindicais” (p.18), demonstra que por trás dessas lutas se articulavam diversas organizações e realizações de trabalhos coletivos como reuniões, lançamentos de determinados programas e ações que não podem ser desvinculadas dos contextos da política estadual, nacional e cenário mundial. Assinalando mais a complexidade do problema de estudo, aponta a existência de uma variedade de categorias representativas como, pequenos produtores, posseiros que não podem ser obscurecidas por trás do termo camponês.

                 Para desenvolver tal problema e modelo analítico, Mauro Guilherme Pinheiro Koury sistematiza o estudo em três momentos onde são expostos: o momento de emergência de tais organizações durante a década de 1950, os caminhos trilhados ao longo do processo de institucionalização das mesmas e, por fim, a relação destas com o estado autoritário.
Guiada pelo conceito elisiano de configuração e pelas noções de economia moral e ofensa moral de Thompson e Barrington More Jr, a primeira parte do livro expõe os fatores políticos, econômicos e sociais que associaram Pernambuco (entre os anos de 1955 e 1964) com uma imagem de área de tensão social. Nesse sentido, expõe as expressões de violência presentes nas relações de produção do “cinturão canavieiro” da Zona da Mata Pernambucana. Explica como tal violência se constitui como a base do poder local e consequentemente como essa se caracterizou enquanto fator inibidor e limitador das tentativas de organização dos trabalhadores rurais. Em nível nacional, o autor se deteve  nos  fatores de inibição desenvolvidos pelos militares que percebiam as questões sindicais associadas ao comunismo e contrárias aos interesses sindicais.

                  No âmbito político, demonstra como a eleição de 1958 dinamizou as relações de poder na busca da construção de um pacto político liderado pelas elites, simpático ao estado e aos representantes da esquerda organizada. Assim, analisa a candidatura e atuações de políticos como Cid Sampaio e Miguel Arraes, elencando como essas mesmas representaram respectivamente a atenuação dos conflitos e estímulo à organização popular. Tal política local não esteve desvinculada das intervenções do governo federal sobre a região Nordeste, durante a seca de 1958, e da forma como essa região passou a ser vista em relação às denúncias de fraudes envolvendo os recursos repassados pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DENOCS), e também enquanto região que necessitava ser integrada no desenvolvimento nacional.
Além disso, o autor situa tal recorte dentro de um contexto internacional polarizado, entre as ideologias norte americanas e comunistas, no qual os E.U.A  também buscou exercer influência sobre o problema da seca, explicitando uma solução por via industrial e econômica, que foi incorporada nos discursos governamentais, e um discurso anticomunista, utilizado por militares, grupos da direita e empresários que percebiam no Nordeste, uma possibilidade de investimento.

                 Explicando que, o movimento sindical rural, no Nordeste, emergiu no contexto de acirramento do conflito entre classes no meio rural e também em relação ao papel da igreja no debate sobre uma política econômica regional e também por conta de suas divisões internas, Mauro Guilherme Koury realiza um mapeamento do conflito existente entre os grupos e como as alianças e disputas entre esses são fundamentais para a compreensão da formação do sindicalismo rural na Zona da Mata Pernambucana. Nesse sentido realiza um mapeamento das relações estabelecidas entre os grupos e instituições relacionadas à questão trabalhista no campo, destacando a relação do Partido Comunista com as Ligas Camponesas, da articulação realizada pela Associação Rural Brasileira, das ações da igreja católica, por meio de seus serviços de assistência Rural e Movimento de educação de Base, e aponta como essas interações sociais resultavam em diferentes formas de sindicalismo, próximos ao governo ou mais radicais, que caracterizaram as formas de mobilização no campo associadas ao sindicalismo rural.

                   Na segunda parte do livro, Mauro Guilherme Koury descreve minuciosamente tal mapeamento e relações, explicando assim o processo de expansão do sindicalismo rural na Zona da Mata Pernambucana. Trata-se de uma etnografia de base histórica a respeito da disputa “palmo a palmo” - feita pelos grupos organizados pela igreja, pelo partido comunista e por outros grupos de esquerda-como as ligas camponesas- em torno das possibilidades de espaço de sindicalismo rural. Nesse sentido o autor expõe a arena de disputa, apontando os discursos defendidos, os financiamentos, os processos de mobilização e desmobilização sindical, a questão organizacional e diferentes formas de sindicalismo.

             Nesse sentido descreve o sindicalismo rural católico percebido como integrado à ordem estabelecida e oposto a radicalidade das ligas camponesas e ao “comunismo ateu” do partido comunista. Koury (2012) demonstra como esse sindicalismo cristão foi articulado com ajuda de organizações internacionais como a Cooperative League of the United States of America e a United States Agency for Internacional Development, de organizações nacionais como o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco, gestado pela própria igreja e com a ajuda de profissionais externos, principalmente de advogados atuantes nos processos de oficialização e legalização dos sindicatos. Com base nessa estrutura eram fornecidos cursos de formação de líderes e outras estratégias de cooptação de membros das ligas camponesas.

             Analisando a relação entre aspectos micro e macro- estruturais, o autor explica a influência de setores da igreja no processo de discussão sobre a formação da SUDENE, da CONTAG, bem como a emergência da “Ação Popular” e de Movimentos de Educação de Base (MEB) voltados para a cultura popular, com uma ideia de consciência Histórica e educação transformadora. Por outro lado demonstra como as tendências internacionais do comunismo influenciaram na dinâmica interna do Partido Comunista no Brasil, e conseqüentemente na sua relação com as Ligas Camponesas, com quem rompem relações, se voltando mais para os trabalhos de legalização de sindicatos rurais, sobrepondo, em 1961, inclusive o trabalho de sindicalização realizado pela igreja (KOURY, 2012).

             Seguindo a perspectiva relacional e processual elisiana, o autor demonstra as relações de disputa existentes em vários níveis, durante o governo Arraes, apontando as formas de atuação do partido comunista e o acirramento de sua disputa com o sindicalismo católico, e expõe também o acirramento da violência de fazendeiros e empresários contra as ações coletivas promovidas pelos trabalhadores rurais.  Koury (2012) percebe que tais disputas eram acompanhadas de determinados discursos e de uma estrutura material e ideológica caracterizada em grandes blocos compostos de parlamentares, empresários, exército e organizações norte americanas, e por outro lado, de uma estrutura “artesanal” construída por Miguel Arraes, e que esteve vinculada diretamente ao reconhecimento e valorização das lutas camponesas. O autor finaliza o capítulo descrevendo detalhadamente a situação de aumento da violência e das tensões nas áreas canavieiras e urbana recifense, alguns meses antes do golpe militar. Expõe assim as situações da ocupação do engenho Serra, a eclosão de movimentos urbanos e greves dos trabalhadores das usinas de açúcar.

              Na terceira parte do livro é tratado da relação entre o movimento sindical e as práticas autoritárias do governo militar, entre os anos de 1964 e 1968. Comentando sobre as deposições e substituições do governador e prefeito de Pernambuco e Recife, o autor destaca o clima de medo e violência, associado às prisões, perseguições, desaparecimentos e mortes de líderes sindicais e líderes das Ligas Camponesas, que passou a ser considerada ilegal. Quanto aos sindicatos rurais, Koury (2012) explica a maneira como passaram a ser controlados e influenciados pelos governos militares, perdendo assim a questão da mobilização política e econômica em detrimento de práticas assistencialistas e bitoladas no enaltecimento do trabalho. O autor descreve a violência patronal e as ações do estado autoritário, no sentido de controlar as ações sindicais e reelaborar a história sindical, gerando assim uma espécie de momento ou intermezzo, no qual os movimentos sociais do campo refluíram. Em relação ao controle das greves, o autor afirma que “a lei de greve criada após o golpe, como se pode ver, elaborava um verdadeiro labirinto com o objetivo de inibir os esforços de organização em qualquer categoria de trabalhadores à greve...” (KOURY,p.257,2012).

             Se antes, alguns setores da igreja católica buscavam amenizar os ânimos e conflito, reforçando a ordem vigente do Estado autoritário, a política de modernização capitalista aplicada em Pernambuco gerou um estado de calamidade social do trabalhador rural, quase sempre alvo de violências, atrasos de salários e desemprego. O não cumprimento de algumas reformas sociais, pelos governos federal e estadual, ocasionou o descontentamento de alguns setores da igreja. Se com o governo de Miguel Arraes o patronato açucareiro diminuiu suas ações frente à organização sindical, com o governo autoritário tal patronato não só aumentou o nível de violência contra os trabalhadores, de forma geral, como também foram aparados por empréstimos à fundo perdido oriundos do governo federal. Grosso modo, discorre sobre as greves, as estratégias burocráticas utilizadas pelo estado autoritário para amarrar e gerar uma atuação sindical pelega. No âmbito político demonstra a forma como os governos, federal e estadual, obscureceram a ideia de reforma agrária, confundindo ela com a de colonização e privilegiando a questão da previdência social no campo.

         Diante do antigo antagonismo “sociedade-indivíduo” o livro “Práticas Instituintes e experiências autoritárias: O sindicalismo rural na Zona da Mata de Pernambuco, 1950-1974” demonstra uma capacidade explicativa pautada no trânsito entre essas duas variáveis e consequentemente na quebra desse antagonismo clássico. Para tanto se vale de um forte diálogo com a História Social, demonstrando a importância dela para os esquemas explicativos sociológicos, principalmente os de Max Weber e Norbert Elias. Para os estudos sobre movimentos sociais, isso significou uma abordagem focalizada nas condições de emergência e funcionamento dos referidos agrupamentos.

             Resultado de uma pesquisa doutoral, “Práticas Instituintes e experiências autoritárias: O sindicalismo rural na Zona da Mata de Pernambuco, 1950-1974” demonstra também, uma etnografia de base histórica que elenca a relação entre sindicalismo e movimentos sociais do campo e o Estado autoritário de 1964, ou seja, explica às alianças, disputas e estratégias acionadas pelos sindicatos, igreja, Estado - nas relações sociais que marcaram aquele contexto histórico.  Dessa forma demonstra toda a complexidade de fatores necessários para a compreensão do processo sócio-histórico problematizado e discorrido ao longo do livro.


*Resenha publicada na Revista Brasileira de Sociologia da Emoção(RBSE) v.12, n. 34, pp. 317-423, Abril de 2013. ISSN 1676-8965 disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/rbse/JesusRes.pdf



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