Por: Jesus Marmanillo¹
KOURY, Mauro Guilherme
Pinheiro. Práticas Instituintes e experiências autoritárias: O sindicalismo
rural na Zona da Mata de Pernambuco, 1950-1974. Rio de Janeiro: Garamond, 2012,
420p.
O livro “Práticas
instituintes e experiências autoritárias: o sindicalismo rural na Zona da Mata
de Pernambuco 1950-1974”, escrito pelo Sociólogo Mauro Guilherme Pinheiro
Koury, traz consigo, uma bela exposição dos condicionantes históricos e sociais
necessários para a realização de práticas associativas na Zona da Mata
Pernambucana entre os anos de 1950 e 1974, ou seja, trata-se de uma história
social dos processos organizacionais dos movimentos sociais e sindicais da referida
região (KOURY, 2012).
Por meio de um modelo
sociológico processual e histórico, o autor demonstra a possibilidade elisiana
e weberiana de análise de fenômenos associativos como movimentos sociais e
sindicatos. Entre outras coisas, isso significou buscar os condicionantes
necessários para a formação e legitimidade desses, ou seja, compreender o
movimento social enquanto resultado de determinadas dinâmicas relacionais
existentes entre determinados agentes, instituições que se relacionam entre si
e também com determinado contexto histórico. Epistemologicamente, isso
significa uma ruptura com o pensamento reificador que toma o movimento social e
sindical enquanto coisa dada, como simples resultado de determinadas
reivindicações ou, ainda, como um fenômeno compartimentado e apartado de outras
questões políticas e sociais.
Contrariamente o autor expõe
que o binômio “luta pela terra e luta pelos direitos sociais nunca deixou de
fazer parte do rol identidario presente nas organizações sindicais” (p.18),
demonstra que por trás dessas lutas se articulavam diversas organizações e
realizações de trabalhos coletivos como reuniões, lançamentos de determinados
programas e ações que não podem ser desvinculadas dos contextos da política
estadual, nacional e cenário mundial. Assinalando mais a complexidade do
problema de estudo, aponta a existência de uma variedade de categorias
representativas como, pequenos produtores, posseiros que não podem ser
obscurecidas por trás do termo camponês.
Para desenvolver tal problema
e modelo analítico, Mauro Guilherme Pinheiro Koury sistematiza o estudo em três
momentos onde são expostos: o momento de emergência de tais organizações
durante a década de 1950, os caminhos trilhados ao longo do processo de
institucionalização das mesmas e, por fim, a relação destas com o estado
autoritário.
Guiada pelo conceito elisiano
de configuração e pelas noções de economia moral e ofensa moral de Thompson e
Barrington More Jr, a primeira parte do livro expõe os fatores políticos,
econômicos e sociais que associaram Pernambuco (entre os anos de 1955 e 1964)
com uma imagem de área de tensão social. Nesse sentido, expõe as expressões de
violência presentes nas relações de produção do “cinturão canavieiro” da Zona
da Mata Pernambucana. Explica como tal violência se constitui como a base do
poder local e consequentemente como essa se caracterizou enquanto fator
inibidor e limitador das tentativas de organização dos trabalhadores rurais. Em
nível nacional, o autor se deteve nos fatores de inibição desenvolvidos
pelos militares que percebiam as questões sindicais associadas ao comunismo e
contrárias aos interesses sindicais.
No âmbito político, demonstra
como a eleição de 1958 dinamizou as relações de poder na busca da construção de
um pacto político liderado pelas elites, simpático ao estado e aos
representantes da esquerda organizada. Assim, analisa a candidatura e atuações
de políticos como Cid Sampaio e Miguel Arraes, elencando como essas mesmas
representaram respectivamente a atenuação dos conflitos e estímulo à
organização popular. Tal política local não esteve desvinculada das
intervenções do governo federal sobre a região Nordeste, durante a seca de
1958, e da forma como essa região passou a ser vista em relação às denúncias de
fraudes envolvendo os recursos repassados pelo Departamento Nacional de Obras
Contra a Seca (DENOCS), e também enquanto região que necessitava ser integrada
no desenvolvimento nacional.
Além disso, o autor situa tal
recorte dentro de um contexto internacional polarizado, entre as ideologias
norte americanas e comunistas, no qual os E.U.A também buscou exercer
influência sobre o problema da seca, explicitando uma solução por via
industrial e econômica, que foi incorporada nos discursos governamentais, e um
discurso anticomunista, utilizado por militares, grupos da direita e
empresários que percebiam no Nordeste, uma possibilidade de investimento.
Explicando que, o movimento
sindical rural, no Nordeste, emergiu no contexto de acirramento do conflito
entre classes no meio rural e também em relação ao papel da igreja no debate
sobre uma política econômica regional e também por conta de suas divisões
internas, Mauro Guilherme Koury realiza um mapeamento do conflito existente
entre os grupos e como as alianças e disputas entre esses são fundamentais para
a compreensão da formação do sindicalismo rural na Zona da Mata Pernambucana.
Nesse sentido realiza um mapeamento das relações estabelecidas entre os grupos
e instituições relacionadas à questão trabalhista no campo, destacando a
relação do Partido Comunista com as Ligas Camponesas, da articulação realizada
pela Associação Rural Brasileira, das ações da igreja católica, por meio de
seus serviços de assistência Rural e Movimento de educação de Base, e aponta
como essas interações sociais resultavam em diferentes formas de sindicalismo,
próximos ao governo ou mais radicais, que caracterizaram as formas de
mobilização no campo associadas ao sindicalismo rural.
Na segunda parte do livro,
Mauro Guilherme Koury descreve minuciosamente tal mapeamento e relações,
explicando assim o processo de expansão do sindicalismo rural na Zona da Mata
Pernambucana. Trata-se de uma etnografia de base histórica a respeito da
disputa “palmo a palmo” - feita pelos grupos organizados pela igreja, pelo
partido comunista e por outros grupos de esquerda-como as ligas camponesas- em
torno das possibilidades de espaço de sindicalismo rural. Nesse sentido o autor
expõe a arena de disputa, apontando os discursos defendidos, os financiamentos,
os processos de mobilização e desmobilização sindical, a questão organizacional
e diferentes formas de sindicalismo.
Nesse sentido descreve o
sindicalismo rural católico percebido como integrado à ordem estabelecida e
oposto a radicalidade das ligas camponesas e ao “comunismo ateu” do partido
comunista. Koury (2012) demonstra como esse sindicalismo cristão foi articulado
com ajuda de organizações internacionais como a Cooperative League of the
United States of America e a United States Agency for Internacional
Development, de organizações nacionais como o Serviço de Orientação Rural de
Pernambuco, gestado pela própria igreja e com a ajuda de profissionais
externos, principalmente de advogados atuantes nos processos de oficialização e
legalização dos sindicatos. Com base nessa estrutura eram fornecidos cursos de
formação de líderes e outras estratégias de cooptação de membros das ligas
camponesas.
Analisando a relação entre
aspectos micro e macro- estruturais, o autor explica a influência de setores da
igreja no processo de discussão sobre a formação da SUDENE, da CONTAG, bem como
a emergência da “Ação Popular” e de Movimentos de Educação de Base (MEB)
voltados para a cultura popular, com uma ideia de consciência Histórica e
educação transformadora. Por outro lado demonstra como as tendências
internacionais do comunismo influenciaram na dinâmica interna do Partido
Comunista no Brasil, e conseqüentemente na sua relação com as Ligas Camponesas,
com quem rompem relações, se voltando mais para os trabalhos de legalização de
sindicatos rurais, sobrepondo, em 1961, inclusive o trabalho de sindicalização
realizado pela igreja (KOURY, 2012).
Seguindo a perspectiva
relacional e processual elisiana, o autor demonstra as relações de disputa
existentes em vários níveis, durante o governo Arraes, apontando as formas de
atuação do partido comunista e o acirramento de sua disputa com o sindicalismo
católico, e expõe também o acirramento da violência de fazendeiros e
empresários contra as ações coletivas promovidas pelos trabalhadores rurais.
Koury (2012) percebe que tais disputas eram acompanhadas de determinados
discursos e de uma estrutura material e ideológica caracterizada em grandes
blocos compostos de parlamentares, empresários, exército e organizações norte
americanas, e por outro lado, de uma estrutura “artesanal” construída por
Miguel Arraes, e que esteve vinculada diretamente ao reconhecimento e
valorização das lutas camponesas. O autor finaliza o capítulo descrevendo
detalhadamente a situação de aumento da violência e das tensões nas áreas
canavieiras e urbana recifense, alguns meses antes do golpe militar. Expõe
assim as situações da ocupação do engenho Serra, a eclosão de movimentos
urbanos e greves dos trabalhadores das usinas de açúcar.
Na terceira parte do livro é
tratado da relação entre o movimento sindical e as práticas autoritárias do
governo militar, entre os anos de 1964 e 1968. Comentando sobre as deposições e
substituições do governador e prefeito de Pernambuco e Recife, o autor destaca
o clima de medo e violência, associado às prisões, perseguições,
desaparecimentos e mortes de líderes sindicais e líderes das Ligas Camponesas,
que passou a ser considerada ilegal. Quanto aos sindicatos rurais, Koury (2012)
explica a maneira como passaram a ser controlados e influenciados pelos
governos militares, perdendo assim a questão da mobilização política e
econômica em detrimento de práticas assistencialistas e bitoladas no
enaltecimento do trabalho. O autor descreve a violência patronal e as ações do
estado autoritário, no sentido de controlar as ações sindicais e reelaborar a
história sindical, gerando assim uma espécie de momento ou intermezzo, no qual os movimentos sociais do campo
refluíram. Em relação ao controle das greves, o autor afirma que “a lei de
greve criada após o golpe, como se pode ver, elaborava um verdadeiro labirinto
com o objetivo de inibir os esforços de organização em qualquer categoria de
trabalhadores à greve...” (KOURY,p.257,2012).
Se antes, alguns setores da
igreja católica buscavam amenizar os ânimos e conflito, reforçando a ordem
vigente do Estado autoritário, a política de modernização capitalista aplicada
em Pernambuco gerou um estado de calamidade social do trabalhador rural, quase
sempre alvo de violências, atrasos de salários e desemprego. O não cumprimento
de algumas reformas sociais, pelos governos federal e estadual, ocasionou o
descontentamento de alguns setores da igreja. Se com o governo de Miguel Arraes
o patronato açucareiro diminuiu suas ações frente à organização sindical, com o
governo autoritário tal patronato não só aumentou o nível de violência contra
os trabalhadores, de forma geral, como também foram aparados por empréstimos à
fundo perdido oriundos do governo federal. Grosso modo, discorre sobre as
greves, as estratégias burocráticas utilizadas pelo estado autoritário para
amarrar e gerar uma atuação sindical pelega. No âmbito político demonstra a
forma como os governos, federal e estadual, obscureceram a ideia de reforma
agrária, confundindo ela com a de colonização e privilegiando a questão da
previdência social no campo.
Diante do antigo antagonismo
“sociedade-indivíduo” o livro “Práticas Instituintes e experiências
autoritárias: O sindicalismo rural na Zona da Mata de Pernambuco, 1950-1974”
demonstra uma capacidade explicativa pautada no trânsito entre essas duas
variáveis e consequentemente na quebra desse antagonismo clássico. Para tanto
se vale de um forte diálogo com a História Social, demonstrando a importância
dela para os esquemas explicativos sociológicos, principalmente os de Max Weber
e Norbert Elias. Para os estudos sobre movimentos sociais, isso significou uma
abordagem focalizada nas condições de emergência e funcionamento dos referidos
agrupamentos.
Resultado de uma pesquisa
doutoral, “Práticas Instituintes e experiências autoritárias: O sindicalismo
rural na Zona da Mata de Pernambuco, 1950-1974” demonstra também, uma
etnografia de base histórica que elenca a relação entre sindicalismo e
movimentos sociais do campo e o Estado autoritário de 1964, ou seja, explica às
alianças, disputas e estratégias acionadas pelos sindicatos, igreja, Estado -
nas relações sociais que marcaram aquele contexto histórico. Dessa forma
demonstra toda a complexidade de fatores necessários para a compreensão do
processo sócio-histórico problematizado e discorrido ao longo do livro.
*Resenha publicada na Revista
Brasileira de Sociologia da Emoção(RBSE) v.12, n. 34, pp. 317-423, Abril de 2013.
ISSN
1676-8965 disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/rbse/JesusRes.pdf
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