Por: Jesus Marmanillo
Qual
a relação entre Organizações Não-governamentais (ONGS) e as Políticas
neoliberais no Brasil? O que se oculta
sob a denominação de não governamental? Como se estruturam essas organizações?
Quais suas propostas políticas?
Partindo
dessas questões e de um foco de análise sobre a relação Estado-Classes sociais
- de seus efeitos no processo de reestruturação do capital- a Cientista Social,
Joana aparecida Coutinho problematiza o papel dessas organizações no Brasil
contemporâneo e expõe o desenvolvimento dessas organizações sob aspectos
históricos, discursivos, das relações de trabalho e de suas atuações junto ao
Fórum Social Mundial.
Demonstrando
a polissemia do termo ONG, inicia o primeiro capítulo demonstrando a
flexibilidade ideológica do mesmo. Para problematizá-lo, realiza um breve
histórico demonstrando algumas mutações durante a década de 1990. Explica que
as “ONGS cresceram na medida em que os movimentos sociais perderam sua força
mobilizadora e passaram a adotar uma política integradora através de parcerias
com o poder público” (p.20)
Outra
discussão travada no capitulo se refere à descentralização da idéia de luta de
classe, que paulatinamente perde espaço para outras lutas como: contra a
pobreza, pela inclusão social, cidadania etc. Nesse âmbito, estabelece uma
relação entre a percepção fragmentada de reivindicação defendida pela teoria
dos novos movimentos sociais e o contexto totalizador do sistema capitalista.
Para
aprofundar esse aspecto, discorre sobre as ideologias pós-marxistas associadas
às ONGS , a forma como se caracterizam no chamado Terceiro setor e como essas seguem a mesma lógica da atual
reestruturação do capital. A autora demonstra que, de forma similar a uma
empresa, essas organizações possuem um discurso que legitima as ações, possibilitando
financiamentos, e que possuem uma lógica transnacional de divisão do trabalho
ideologicamente orientada.
No
segundo capítulo, é discutida a relação entre as ONGs e Estado, tomando como
ponto de partida uma onda neoconservadora que implicou no estado mínimo na
década de 1980 e conferiu às Organizações não Governamentais o status de
parceiras- situação que adquiriu legitimidade institucional no plano diretor da
reforma do aparelho do estado, elaborada por Bresser Pereira.
Considerando o Estado neoliberal enquanto “Estado-empresario”,
que sempre objetiva menor custo e maior eficiência, e uma perspectiva teórica
que substitui a luta de classes pela luta por democratização dos espaços
públicos, a autora explica a dificuldade desse estado burguês em encontrar a
suposta representação do interesse geral, ocorrendo então os processos de publicização do privado e privatização do público. (BOBBIO, 1987)
Nesse
âmbito, enfatiza que “as instituições políticas do Estado capitalista ocultam o
seu caráter político de classe apresentando-o, ao contrário, como a encarnação
da vontade do povo nação.” (p.54) Dessa forma emergem as condições propicias
para o desenvolvimento do terceiro setor, cada vez mais burocratizado (WEBER) em seus quadros profissionais, mais apto a
receber recursos estatais e livres de impostos, por conta de sua denominação
(escorregadia) de não- governamental
e de utilidade pública.
O
terceiro capítulo, as ONGs de responsabilidade social e as Organizações não
governamentais de desenvolvimento (ONGDs) são analisadas em relação ao trabalho
precarizado, à geração de renda, às ideologias e justificativas que surgem com
a crise do capitalismo em sua forma neoliberal.
Considerando
o interesse de grandes empresas como a FORD, Rockfeller em preservar a America
Latina dos ideais socialistas, Coutinho (2011) explica a relação entre as
referidas organizações e as empresas, na promoção da responsabilidade social. Percebe que tal relação se desenvolve numa
lógica de doação, captação de recursos, geração de lucros e uma serie de
isenções de taxas e reduções de impostos.
No
campo do trabalho, nota que houve uma apropriação do trabalho voluntário,
associado ao sentimento de responsabilidade social, ou seja, se antes era uma
prática de solidariedade com fins de educação popular e politização, passa a
ser incorporada como mais uma forma de exploração, ausente de fiscalização e
aplicação de direitos trabalhistas conquistados historicamente. Tais aspectos associados ao trabalho são
favorecidos pela forma como o estado neoliberal reestrutura o capital por meio
de políticas públicas centralizadas, focalizadas e privatizadas, caracterizadas
como tipos de programas de socorro a pobreza.
A
autora demonstra que há uma lógica de reformismo que prepondera sobre a idéia
de ruptura, mesmo nos casos da chamada Economia Solidaria- cujos projetos quase
sempre sucumbem ou tornam-se empresas capitalistas. Sem ideal de rompimento,
tais relações de trabalho fragilizam a capacidade de mobilização e desfocalizam
o problema existente em uma estrutura de dominação bem mais ampla.
Grosso
modo, no último capítulo, é analisada a participação das ONGS no Fórum Social
Mundial. São considerados aspectos como, o trabalho fragmentado caracterizado
nas varias mesas de discussões, o que dificulta a elaboração de uma proposta
global; o perfil dos participantes, que no caso brasileiro não houve a presença
dos excluídos, e o tipo de democracia relacionada e reivindicada nesse
contexto- “uma democracia formal que combina certa igualdade civil coexistente
com uma enorme desigualdade social, sem tocar nas relações econômicas entre a
elite e a multidão trabalhadora” (p.127)
Com
um rigoroso trabalho de problematização e utilização da teoria marxista,
trabalhada em autores como James Petras, Louis Althusser, Ricardo Antunes e
outros, Joana Aparecida Coutinho analisa as Organizações não-governamentais em
relação aos processos de reestruturação do trabalho provinientes do
neoliberalismo da década de 1990, e elenca uma serie de questões como:
discursos políticos, dinâmicas de financiamento, formas de trabalho utilizado,
histórico e outras questões ocultadas sob a denominação ONG.
Junto
a tais questões, nota que a localização entre setores empresariais e o Estado
confere a essas organizações uma função de diluição da luta de classes,
funcionando assim como um colchão amortecedor das contradições sociais. Nesse sentido, nos possibilita pensar o reformismo
das ONGs enquanto um tipo de aparelho ideológico que ofusca os processos
revolucionários existentes outrora.
Referência:
COUTINHO, Joana A. ONGs e políticas neoliberais no Brasil. 1. ed.
Florianópolis: Editora UFSC, 2011. p.148 ISBN 978-85-328-0571-3
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