Por:Joelma Santos da Silva *
No
trabalho intitulado “Retratos sociológicos: Disposições e variações
individuais”, Bernard Lahire apresenta as bases teóricas, métodos e problemas
encontrados na pesquisa sociológica em que faz o que chama de sociologia
experimental, utilizando as noções da tradição disposicional, como disposição,
inclinação, hábito e tendência.
A
tradição disposicional, seus conceitos, idéias e questões que ela suscita, não
apresentam em si ineditismo na sociologia, mas Lahire propõe um novo uso dessas
idéias, um método diferenciado na sua aplicação, com profundo comprometimento
com a pesquisa empírica e controle consciente dos problemas, limitações e
aplicabilidade dos resultados obtidos, enfocando uma reflexividade sobre o
aporte teórico e metodológico como criador da perspectiva de análise do objeto,
e de criador deste, aplica um método novo que consiste em entrevistas sobre
diferentes espaços e ações da vida social aplicadas ao mesmo entrevistado,
sendo chamado de sociologia experimental pelo seu caráter inventivo e variante
dos procedimentos de pesquisa ditos tradicionais.
Apresenta
seu trabalho de pesquisa como um retorno crítico aos instrumentais usados nas
analises disposicionais, não aderindo ao princípio do passado determinante da
ação dos indivíduos ou da total consciência que este teria de suas ações.
Indica um caminho que se utiliza do princípio da não-consciência, mas que não
despreza a fala destes, que o considera conscientes de suas ações, mas não dos
dispositivos que levam até ela, propondo uma interpretação que tem como objeto não
somente a sua fala, mais também o seu comportamento, as representações que este
cria de suas práticas, numa perspectiva de comprometimento com a pesquisa
empírica, a racionalidade científica e que valoriza a interpretação sociológica
do autor, pois sem isso os estudos se reduziriam “aos objetos designados pelos
atores sociais” (p. 24), onde estes teriam o papel de validar as interpretações
sobre si.
As
condições pelas quais as disposições apresentam-se, relação com a trajetória
individual e contexto em que são ativadas, são formas interpretativas colocadas
pelo autor como uma maneira de passar de uma simples idéia sociológica usada
indevidamente para o uso reflexivo do esquema interpretativo que esta idéia
propõe. Visando destacar as variações individuais das disposições de acordo com
o percurso biográfico, em relação aos diversos contextos sociais que o ator
transita, a pesquisa enfocou três pontos principais.
O
primeiro é relativo ao tamanho e variação de universos, formas de contextos e
indivíduos com princípios de socialização diferenciados aos quais o ator foi
exposto em seu percurso biográfico. O segundo diz respeito a variação das
disposições individuais em função do momento e do contexto. O terceiro é
relativo aos momentos de crise, que Lahire destaca como reveladores de
“contradições ou defasagens entre as disposições do pesquisado e as requeridas
por uma situação [...]” (p. 27), assim como da assimilação de novas
disposições, ajustes e confrontos das antigas.
A
disposição, no entanto, é colocada como algo não observável diretamente, mas
interpretado a partir do comportamento apresentado, tentando desvelar quais são
as geradoras da prática ao mesmo tempo em que estas práticas também são
indicadoras das disposições. Seu uso pressupõe uma relação com uma série de
outros aportes teóricos e metodológicos, que o pesquisador deve considerar para
ser consciente das limitações desse conceito e sua aplicação durante a
investigação proposta.
A
primeira limitação indicada diz respeito à gênese da disposição, da situação de
sua produção e incorporação; a segunda é o da recorrência e coerência de uma
série de práticas e comportamentos que podem ser observáveis, e estas só podem
ser observadas porque são incorporadas, de diferentes formas e intensidades,
através de experiências semelhantes que solicitam aquela determinada
disposição.
Na
procura pela coerência das práticas, o pesquisador deve atentar para os contextos
em que as disposições determinadas são acionadas, se são específicas a essas
situações ou gerais e como transitam em contextos diferentes, as chamadas
“circunstâncias de sua aplicação”.
Lahire
também destaca em sua pesquisa o caráter de flexibilização das disposições,
suas possibilidades de inibição e transformação das situações diversas e a
necessidade conceitual de não serem confundidas com competências, ou associadas
a outros condicionantes como gosto ou indiferença. Outro elemento colocado em
relação a esse tipo de pesquisa são os tipos de arranjos entre as diversas
disposições de um indivíduo, de que forma se dão e se organizam, problemas que
coloca como possíveis de serem respondidos somente através da investigação
empírica.
Apresentadas
estas questões quanto à teoria que norteia a pesquisa, é explicado o método
aplicado, que consistiu na aplicação de seis diferentes pesquisas a oito
entrevistados, aplicadas pelo mesmo pesquisador, sobre seus sentimentos e ações
em diferentes práticas e contextos, fornecendo informações variadas sobre um
mesmo indivíduo, como também sobre o local e contexto em que se desenvolveu a
entrevista, defendendo a idéia de que
Só
um dispositivo metodológico desse tipo permitiria julgar em que medida algumas
disposições sociais são ou não transferíveis de uma situação para outra e
avaliar o grau de heterogeneidade ou homogeneidade do patrimônio de disposições
incorporadas pelos atores durante suas socializações anteriores (p. 32).
Um
aspecto crucial desse tipo de pesquisa foi a escolha dos entrevistados, que se
deu com base no tempo livre destes e aceitação de se submeter às entrevistas,
como também a relação de proximidade e
distanciamento estes com o pesquisador, que deve ser balanceada para evitar uma
familiaridade excessiva ou um total estranhamento, ambos extremos que
prejudicariam a pesquisa, o que o autor tentou sanar através da escolha de
pessoas que possuíam ligações indiretas e ocasionais com os pesquisadores ou
pessoas a eles ligadas, que fossem adultas e tivessem inserção na vida
profissional, familiar e escolar.
O
aspecto enfocado para a pesquisa foi o de crise nas trajetórias dos
entrevistados, pois pressupôs-se que nestes momentos as disposições são
movimentadas – ativadas ou reativadas, o que favoreceria o objetivo de
verificação da aplicabilidade da teoria disposicional em relação aos diversos
contextos, situações e diferenciações do mundo social.
Quanto
à construção das entrevistas, o autor explicita os pressupostos teóricos
utilizados nos informando que foram inicialmente divididos seis “universos de
socialização” considerados como bases dos processos de socialização do
indivíduo, tentando compreender os efeitos destas para o entrevistado, porém,
estes universos não são autônomos na prática social, eles se entrelaçam e os
entrevistados explicitam isso em suas respostas, sendo que outra parte das
perguntas avaliava o nível de autonomização e interpenetração destes.
Por
ser uma pesquisa que se utiliza de entrevistas de caráter biográfico, que visou
captar os aspectos diacrônicos e sincrônicos das variações das disposições dos
indivíduos, bem como a própria gênese destas, Lahire nos fala do cuidado que
foi necessário para o pesquisador não acabar com a equivalência entre os
contextos proposta pela entrevista, destacando por si contextos e indivíduos
importantes para o entrevistado, ou apagando contradições, mas pelo contrário,
ver no destaque dado pelo entrevistado a situações, pessoas ou problemas,
possibilidades de enriquecimento da pesquisa, quando da interpretação dos dados
coletados.
Parte
das perguntas que constitui a grade de entrevistas estuda disposições
específicas com o objetivo de “[...] evidenciar o grau de extensão de sua
ativação, os contextos de sua aplicação e os de seu eventual estado de
vigília.” (p.40), relacionando a outra parte que tentou verificar se e como o
entrevistado aplicava essas disposições.
A
sociabilidade ocupa um lugar de destaque na grade de entrevistas, pois
analisando a maneira pela qual ela se realiza foi tentado apreender de “gosto e
inclinação” dos indivíduos pesquisados. Outra questão levantada foi a das
causas de inibição de algumas disposições, crises, frustrações, atritos,
contextuais ou desencadeados nas relações de sociabilidade.
Finalizando
a apresentação que o autor faz dos métodos e problemáticas dessa proposta de
sociologia experimental, as perguntas das entrevistas objetivavam, por um lado,
especificar os contextos e pessoas que agiram com o tipo de prática
desempenhada e, por outro, com os vários exemplos apresentados, suscitando uma
vasta e diversa gama de experiências, destacando nessa relação os diversos
aspectos divergentes levantados como enriquecedores da pesquisa, ao longo desse
processo de criação do objeto na pesquisa.
Referência: LAHIRE,
Bernard. Retratos sociológicos: Disposições
e variações individuais. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 19-44.
*Graduada em História pela Universidade Federal do Maranhão, mestre em Ciências Sociais da mesma instituição. Possui experiência profissional nas áreas de ensino e pesquisa em História, Paleografia, monitoramento de visitas em espaços museográficos, atividades administrativas e pesquisas governamentais. Desenvolve pesquisas atualmente nas aréas de História das Religiões e Sociologia Histórica. Professora de Teorias da História / Introdução à Pesquisa Histórica do Programa Darcy Ribeiro da Universidade Estadual do Maranhão e professora substituta de história no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão.
Visite também Ciências Sociais Ceará e Café com SociologiaL
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