domingo, 3 de outubro de 2010

Foucault e a análise do discurso

Débora de Jesus Lima Melo*

A “A ordem do discurso” refere-se a um discurso proferido por Michel Foucault, em 1970, na aula inaugural no Collège de France. Com este texto, o autor intenta fazer uma análise da produção dos discursos na sociedade, bem como apresentar considerações acerca de seus posteriores trabalhos.

No primeiro momento o autor faz menção às inquietações acerca dos discursos, “sob essa atividade cotidiana e cinzenta” que é revestida por “poderes e perigos que mal se imagina”. Desse modo “o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde afinal, está o perigo?” (pg. 08).

A hipótese levantada pelo autor é a de que “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (pg. 09).

Diante disso, o texto foca nestes procedimentos de delimitação que controlam o discurso. Assim, distingue, primeiramente, dois tipos de sistemas de exclusão do discurso, presentes em nossa sociedade: aqueles que são externos, que concernem à parte do discurso que põe em jogo o poder e o desejo; e aqueles que são internos, que submetem outra dimensão do discurso, do acontecimento e acaso.

Os sistemas de exclusão exteriores são: Interdição, Separação/Rejeição e Vontade de verdade. O primeiro, a interdição, isto é, a palavra proibida, refere-se a três tipos, a saber: tabu do objeto, ritual da circunstância e direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala. Estes três tipos de interdições se “cruzam, se reforçam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar” (pg. 09).

O segundo, Separação/Rejeição, este é apresentado na oposição entre razão e loucura. “O louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros” (pg. 10).

O terceiro, a Vontade de verdade, é tomado com maior ênfase, tendo em vista que, “há séculos, os primeiros não cessaram de orientar-se em sua direção”. (pg. 19). A Vontade de verdade apóia-se sobre um suporte institucional que o distribui de acordo com o modo como o saber é aplicado em uma sociedade. Tende, assim, a exercer sobre os outros discursos um poder de coerção.

Os sistemas de exclusão internos, isto é, aqueles inerentes ao próprio discurso, são apresentados em torno de três formas: o Comentário, a Autor e as Disciplinas.

O comentário refere-se ao desnível entre o texto primeiro e o texto segundo. Assim, o permite construir novos discursos, estes dizem o que está articulado no texto primeiro, “conjura o acaso do discurso fazendo-lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto seja dito e de certo modo realizado” (pg. 26).

O autor é entendido como “princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência” (pg. 26).

A disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições consideradas verdadeiras, uma espécie de sistema anônimo, que é requerido para a construção de novos enunciados. Neste sentido, a disciplina controla a produção do discurso, pois lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente de regras.

Outros procedimentos são apresentados no texto como procedimentos que também empreendem um controle aos discursos: referem-se às regras impostas aos indivíduos que o pronunciam. Nem todos os discursos são acessíveis, algumas de suas regiões são proibidas, enquanto outras estão à disposição dos sujeitos. Estes procedimentos de controle são: Ritual, Doutrinas, Apropriação social do discurso.

O Ritual, este define as qualificações e atribuições que devem possuir aqueles que emitem o discurso. Como exemplos, estão os discursos religiosos, judiciários, terapêuticos.

As Doutrinas definem a pertença doutrinária, isto é, a partir dos discursos partilhados se consegue identificar a pertença prévia dos indivíduos. Esta forma liga-se a outra: a Apropriação social dos discursos, nesta a educação funciona como maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos.

Alguns temas da filosofia também são discutidos no texto como temas que também podem ter contribuído para reforçar as limitações e exclusões dos discursos. Neste sentido, para Foucault seja qual for a filosofia (do sujeito fundante, da experiência originaria, da mediação universal) o discurso “nada mais é do que um jogo”.

Baseado nisso, o autor apresenta como procedimento de análise desse jogo três funções: questionar nossa vontade de verdade, restituir ao discurso seu caráter de acontecimento e suspender a soberania do significante.

Tal forma de análise exige como método alguns princípios: da inversão, da descontinuidade, da especificidade e da exterioridade. Nos discursos deve ser reconhecido o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso. Assim, a análise deve concebê-los como práticas descontínuas, que se cruzam, se ignoram e excluem. E, ainda, deve ser concebido como uma violência que fazemos às coisas, sendo nesta prática que os acontecimentos do discurso encontram sua regularidade. Em contrapartida, o discurso sendo algo de significação exterior, deve ser analisado a partir de sua própria manifestação, isto, de acordo com as suas condições externas de possibilidade. Apresenta, portanto, as quatro noções que servem de princípio regulador para a análise: acontecimento, série, regularidade e condição de possibilidade.

Esses princípios são apresentados como referência que irão nortear os trabalhos posteriores do autor. A análise dispõe de dois conjuntos: crítico e genealógico. O primeiro coloca em prática o princípio da inversão, enquanto o segundo põe em prática os outros três princípios. Contudo, ambas as tarefas não são esferas separáveis.

É neste sentido, que Foucault busca empreender um modo de análise dos discursos em sociedade que difira dos métodos da exegese tradicional ou do formalismo lingüístico.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

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**É mestranda em Ciencias Sociais, na Universidade Federal do Maranhão (2009). Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão (2008), atuando principalmente nos seguintes temas: Educação e Questão étnico-racial.

mais informações no Lattes

Biografia de Michel Foucalt

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