Por Jesus Marmanillo Pereira
Composto por três estudos, resultantes de dissertação e teses defendidas na Universidade Federal do Maranhão e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o livro, “Elites, Profissionais e Lideranças Políticas (RS e MA)” expõe uma agenda de pesquisa que cresceu no Brasil - na última década, e que é mesclada de contribuições advindas da Ciência Política, da Antropologia e da Sociologia.
Organizado pelo cientista político Igor Gastal Grill, o livro constitui-se de três artigos que desenvolvem uma perspetiva analítica cujas variáveis recaem sobre os agentes políticos e seus respetivos espaços e propriedades sociais, tais como origens sociais e geográficas, condições de socialização, percurso escolar, experiências políticas e culturais. Teoricamente, os artigos compartilham de uma forte influência de Pierre Bourdieu, percebida tanto na forma como utilizam certos conceitos operacionalizados na pesquisa (habitus, campo, capitais, reconversão etc..), quanto na crítica que lançam à clássica teoria das elites políticas (principalmente Mosca, Pareto, Michels), marcada pela naturalização da superioridade das elites, fundamentadas em dons e características inatas que justificariam a posição dirigente.
Nesse sentido, o conceito de “elite” desenvolvido pelos autores sublinha aspetos como estratificação social, profissionalização política e recrutamento, interiorização do social e produção de determinados habitus (Bourdieu, 2007). Aspetos esses, trabalhados em autores clássicos como Emile Durkheim, Max Weber, Karl Marx, Norbert Elias, e sistematizados na Sociologia Reflexiva de Pierre Bourdieu (2002). Dessa forma, consideram a ideia de Elite enquanto problema sociológico a ser desubstancializado e pensado processualmente de acordo com determinados condicionantes históricos e sociais, ou seja, momentos de inserção dos agentes na política e propriedades sociais relacionadas a isso.
Com essa base sociológica, as pesquisas expostas no livro possuem uma abordagem focada sobre: os agentes políticos, os condicionantes sociais dos mesmos, o momento de inserção desses agentes na política e em seus deslocamentos espacio-sociais. Além disso, lançam crítica aos antigos antagonismos da Ciência Política (como por exemplo, a divisão entre estudos institucional e de cultura política). Para tanto são orientados, metodologicamente, por técnicas prosopográficas, elaboração de quadros sinópticos com as propriedades sociais dos agentes (nível de escolaridade, títulos, origem familiar, inserção na política e em instituições coletivas), com os quais desenvolvem uma topologia social, com a qual analisam a produção de determinados tipos de capitais (político, econômico, cultural, militante) em relação às trajetórias individuais e posição social que os agentes ocupam no campo. Uma vez que esse esquema interpretativo possibilita evidenciar os processos de “aprendizagem” de normas e de conduta dos agentes sociais estudados, pode-se pensá-lo enquanto meio explicativo sobre a formação do habitus político, nas três pesquisas apresentadas no livro.
No primeiro estudo, “Bases Sociais da Especialização Política no Rio Grande do Sul e no Maranhão”, são analisados os fatores que influenciaram na profissionalização dos agentes políticos no âmbito do legislativo. Para tanto, Grill (2008) desenvolve, primeiramente, um estudo quantitativo e comparativo com base nos principais indicadores a respeito das carreiras políticas de 200 deputados federais eleitos no Rio Grande do Sul e no Maranhão, entre os anos de 1945 e 2006. Através dessa amostra, analisa as formas de ingresso na política, a profissionalização, os cargos iniciais, tempos de carreira política, tempos de carreira eletiva e traça um perfil de recrutamento nos dois estados, caracterizando o Maranhão por um maior controle de oportunidades políticas, ou seja, nesse estado o recrutamento e seleção de novos agentes políticos era controlada (por cima) por outros agentes já estabelecidos e ocorria preponderantemente, pela ocupação de cargos políticos administrativos e cadeira de deputado; contrariamente no Rio Grande do Sul onde o espaço político era mais aberto, os cargos mais ocupados eram nas posições periféricas (principalmente vereador) o que caracteriza uma inserção (por baixo) que dependia menos do controle da “maquina política” e de políticos já estabelecidos.
A partir da construção de um quadro geral de variáveis contendo as origens sociais, os percursos escolares, profissionais e políticos, as estratégias de consagração dos deputados e outras, o autor interpreta a relação entre tradição e especialização política, buscando entender as estratégias e formas de reconversão (Bourdieu, 2007) utilizadas no embate entre famílias tradicionais e novas agentes políticos. Para tanto, analisa os mecanismos acionados durante a disputa de poder e percebe que cada estado possui uma característica específica: um aciona o passado político, enquanto outro se faz valer do apogeu cultural e econômico. Nesse sentido percebe que os agentes buscam legitimidade e acionam recursos ligados à tradição, imigração, a reivindicação da origem humilde, herança política e usos da memória. Por fim, o autor contextualiza as análises anteriores nos “ismos” (sarneysmo e trabalhismo enquanto espaços de relação e de manifestação de habitus próprios da disputa política) do Maranhão e Rio Grande do Sul, realizando um estudo de trajetória política dos principais agentes políticos caracterizados no trabalhismo e sarneysmo.
Na investigação, “Da Contestação à profissionalização Política: capital militante, capital social e capital político”, a cientista política Eliana Tavares Reis lança mão da análise de carreira sobre os agentes políticos que ingressaram em movimentos de constestação em diferentes fases do regime militar, no Rio Grande do Sul. Tais agentes foram pensados por meio da categoria militante, “que implica uma ideia de dedicação sistemática e rotinizada a uma causa ou organização específica”. Para identificá-los a autora pesquisou em documentos e fichas presentes no Arquivo Público do Rio Grande do Sul, em fontes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) e realizou entrevistas com ex-militantes. Com essas informações, produziu um quadro sinóptico composto de variáveis como: vínculos, trunfos acumulados, contatos herdados ou adquiridos, profissionalização política, posições ocupadas, gratificações e outros “investimentos” feitos em relação ao militantismo.
Com tal sociografia Reis (2008) demonstra, entre outras coisas, um tipo de perfil militante composto maioritariamente por professores universitários, assessores parlamentares, ocupantes de cargos de confiança, profissionais liberais e funcionários públicos, que iniciaram as suas intervenções políticas em movimentos estudantis (90%), e que possuíam uma herança política herdada por parentes (83%). Sistematizando esses dados, de estudo de carreira, em relação ao contexto histórico de inserção dos agentes políticos, a autora busca explicar mutações e transfigurações das modalidades de intervenção política. Dessa forma considera os diferentes impactos dos eventos históricos nas trajetórias políticas, escolares, profissionais e sociais dos agentes.
Em outro nível de analise, demonstra a existência de quatro tipos de padrões de especialização política relacionadas com as características sociais elencadas nos estudos de carreira. Seriam essas: a especialização militante, a especialização técnico administrativa, a especialização política e eleitoral e a especialização universitária, explicadas detalhadamente em estudos de caso que contemplam as trajetórias de Tarso Fernando Herz Genro, Raul Anglada Pont, Cézar Augusto Busatto e Carlos Franklin Paixão Araújo.
Entre outros aspetos, a autora demonstra que a própria ideia de clandestinidade, inerente às organizações contestatórias no período militar, pode ser pensada enquanto estratégia identitária pela qual se construíam determinadas pertenças, especificamente laços de fidelidade e rivalidade. Nota que a inserção nessas organizações significa também a utilização do “passado militante” enquanto trunfos utilizados na disputa partidária pós regime militar.
No terceiro texto, intitulado “Tradição engajada: origens, redes e recursos eleitorais no percurso de Flávio Dino”, o cientista social José de Barros Filho analisa a trajetória do político a partir das diferentes estratégias para a cooptação de alianças e votos e como isso pode ser explicado pela construção e reprodução de um quadro de capitais econômicos, sociais e políticos que podem ser objetivados e reconvertidos para os contextos de disputa política.
Para tanto, Barros Filho (2008), utiliza uma perspetiva analítica que combina a sociologia reflexiva com Antropologia da política. Dessa forma lança mão de categorias como, capitais, trajetória, reconversão, mediação, fações e redes políticas para interpretar, através de uma série de fontes compostas de materiais de propagandas políticas e outros documentos, a campanha do maranhense Flávio Dino para Deputado Federal em 2006.
Através dessa combinação, o autor analisa a dinâmica política de Flávio Dino, especificamente no trânsito desse agente por diferentes espaços (profissionais, estudantis, familiar e político), na forma como suas ações podem ser relacionadas aos trunfos conquistados e reconvertidos de outros campos, e como essas mesmas ações eram apresentadas e moldadas de acordo com cada situação. A partir dessa análise, o autor demonstra os mecanismos de produção e reprodução das posições sociais do político estudado.
O livro “Elites, profissionais e lideranças políticas (RS e MA): pesquisas recentes” demonstra três analises, cuja agenda de pesquisa constitui-se numa forte crítica a uma visão essencialista e naturalizada de elites - enquanto grupo dominante cujas propriedades sociais são tomadas como recursos inerentes à superioridade inata de seus membros. Para tanto, o argumento principal contido em todos os artigos fundamenta-se no estudo das condições de especialização, profissionalização, ascensão política e de como isso se caracteriza numa dinâmica de produção e reprodução de poder político.
Através de um esquema teórico-metodológico mesclado, os estudos demonstram como as propriedades sociais dos agentes são associadas às posições ocupadas pelos mesmos e consequentemente à ação política que desempenham em relação a outros agentes. Dessa forma, apresentam sistematicamente uma geografia social do poder político das elites, que não perpassa pelos processos de naturalização e substancialização do termo elite, enquanto coisa dada ou objeto naturalizado no senso comum.
Resenha publicada na Revista da Associação Portuguesa de Sociologia nº 5 nov,2012. ISSN 1647-3337
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