Indivíduo e Sociedade na Perspectiva da
Por: Jesus Marmanillo Pereira
O Livro do sociólogo alemão Norbert Elias, Die Gesellschaft der Individuen ou Sociedade dos indivíduos, foi publicado pela primeira vez em 1987 em Frankfurt. Contudo, até hoje o texto é surpreendente, tanto pela forma como escreve quanto pela grande contribuição epistemológica para a Sociologia.
A grande problemática do livro se desenvolve sobre a forma como os conceitos devem se trabalhados na construção de um esquema explicativo sobre o fenômeno da relação indivíduo- sociedade.
Nesse sentido o autor constitui um trabalho de reflexão sobre conceitos naturalizados numa visão binária (sociedade – indivíduo) fundamentada no principio do antagonismo. Norbert Elias problematizou o vazio conceitual localizado entre as noções de indivíduo e sociedade. Dessa forma, dialoga com vertentes sociológicas influenciadas pelas ciências naturais, cuja analises e interpretações fundamentam-se numa visão orgânica e sistemática de sociedade. Dialoga também com perspectivas que valorizam os indivíduos, enquanto condutores e elementos primordiais para a formação dessa mesma.
O autor expõe a antinomia existente entre essas duas concepções, demonstrando a esterilidade epistemológica que significa pensar a relação indivíduo- sociedade como pontos antagônicos e/ou auto-suficientes.
Para tanto, mais que pensar a sociedade como resultado de “heróis” e indivíduos que se destacam nas correntes literárias, na política e na História, ou pensar sociedade como organismo no qual os indivíduos estão inseridos para obedece uma lógica cuja finalidade é a satisfação individual, Norbert Elias analisa como se dá o processo de produção do indivíduo na sociedade, considerando assim as noções de indivíduo e sociedade como coexistentes e interdependentes.
Com uma forte utilização da História e de uma perspectiva relacional, Norbert Elias explica que os indivíduos constituem-se não apenas em relação a outros indivíduos, mas também em relação à sociedade. Em outras palavras o “eu” pressupõe a existência do “nos”, ou seja, há uma busca de distinção em relação ao grupo, o que caracteriza, entre outras coisas, uma explicação relacional – de que o “eu” adquire existência em relação ao outro.
Um exemplo da interdependência das duas noções para a compreensão da relação sociedade - indivíduo, pode ser pensada na própria liberdade de escolha individual, que não pode ter sua explicação apartada de questões relacionadas à forma como o indivíduo nasce e cresce em determinadas teias humanas, funções, educação e situação familiar. Nesse sentido, por mais que a psicologia busque explicações centradas unicamente no indivíduo, Norbert Elias demonstra que tal pensamento se apóia num princípio de auto-regulação, ou seja, do comportamento de indivíduos em relação a outras pessoas. Nas palavras do próprio autor “o indivíduo só pode ser entendido em termos de sua vida em comum com os outros. A estrutura e a configuração do controle comportamental de um indivíduo dependem da estrutura das relações entre os indivíduos (p.56)
Outra discussão interessante na obra corresponde à forma como essas noções de indivíduo e sociedade são naturalizadas e adquirem inquestionabilidade. Nesse ponto, Norbert Elias percebeu através da História, que algumas funções características do indivíduo foram passando, gradativamente, para a responsabilidade de determinadas instituições o que resultou em mudanças na forma de conceber a relação entre os indivíduos, ou seja, gerou uma espécie de especialização maior, acentuando assim o processo de individualização. Para Norbert Elias, essas mudanças contextuais contribuem para um tipo específico de percepção sobre a relação indivíduo- sociedade.
O autor expõe que à compreensão e relação entre os termos, indivíduo e sociedade, depende de condições como, os contextos nos quais se inserem e os diferentes sentidos que podem adquirir de acordo com a situação. Bem como, os mitos e ideologias que lhes que podem dar sentido e sustentação às referidas noções. A idéia de sociedade pode ser interpretada também segundo sua função junto aos indivíduos, seja no combate dos medos e/ ou como forma de auto-percepção diante da vida. Para Norbert Elias “algumas noções, por serem armas ideológicas de luta pelo poder, por vários partidos e estados, estão impregnadas de um conteúdo emotivo, difícil destrinçar seu núcleo concreto dos desejos e temores dos que estão engajados nos combates (p.74).
Uma forma de problematização dessa situação pode ser desenvolvida pela via Historiográfica, no sentido de ruptura com uma História substancializada, na qual as instituições são interpretadas, como planejadas e criadas segundo a vontade de determinados grupos, ou seja, como um resultado planejado, previsível e almejado. Norbert Elias desenvolve assim, uma Sociologia Histórica que é apartada tanto da historia dos grandes heróis e importantes ícones quanto da História tradicional dos grandes Estado nacionais. Em outras palavras, utiliza o processo de individualização como espinha dorsal de sua análise.
Para tanto enfatiza a importância um sociologia processual, que significa adotar uma analise sociológica, não fundamentada em leis universais e estáticas aos moldes das Ciências Naturais e sim, tomando a sociedade como fenômeno dinâmico característico por mudanças ao longo do tempo e espaço.
Nessa perspectiva processual e Histórica, Norbert Elias analisa o processo de individualização, pelo qual são construídas as noções e percepções do “eu” e do “nos”. Para essa construção é importante considerar a Auto-percepção dos indivíduos e também, a percepção deles em relação aos outros (p.102) o que gera, entre outras coisas, condições de observação e desenvolvimento do habitus[2] – importante elemento para compreensão da formação da autoconsciência.
No decorrer da obra, percebe-se que a idéia comum, ou principal, de Norbert Elias sustentasse numa crítica contra alguns clássicos da Sociologia, como Emilie Durkheim e Max Weber, cujas compreensões de sociedade, baseavam-se numa preponderância do coletivo (fato social) ou nos indivíduos (ação social). Contudo, aproxima-se dos mesmos quando considera que a sociedade não pode ser pensada enquanto soma de elementos, ou seja, ele apreende um trabalho de legitimação sociológica dos clássicos e consegue dar um “passo” adiante, construindo assim, argumentos sólidos que possibilitaram outra via de interpretação dos fenômenos sociais.
Vale ressaltar que, a “Sociedade dos indivíduos” não apenas problematiza esse vazio conceitual, situado entre essas duas noções, como também demonstra muito da perspectiva teórico-metodológica desse autor, ou seja, fornece-nos uma idéia própria de História, Indivíduo Sociedade, habitus, processo de individualização e como essas mesmas são operacionalizadas e articuladas em um esquema interpretativo e explicativo. Nesse sentido, a obra mantêm relação forte com outras obras do autor, como por exemplo, o processo civilizador, cuja idéia principal compartilha de características existentes na noção de processo de individualização.
Enfim, o livro Sociedade dos Indivíduos, constitui como uma importante obra para a desconstrução dos essencialismos que rondam essas noções tão naturalizadas e verbalizadas em varias discussões acadêmicas. Expõe uma rica reflexão teórico-metodológica resultando na consolidação de uma perspectiva sociologia peculiar, alimentada por um forte viés processual, relacional e histórico, que lhe garante manter toda a obra “amarrada” na noção de processo de individualização - com a qual busca desvendar e romper com as dicotomias interpretativas, pautadas nos antagonismos – indivíduo e sociedade
REFERÊNCIA: ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994
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[2] Essa noção de habitus pode ser entendida, de modo geral, como um tipo de automatismo gerado por um processo de encucação que desenvolve-se no entrelaçar de fatores individuais e coletivos.É importante para a interpretação de padrões e modelos culturais desenvolvidos em grupos e instituições, que são exigidos pelos indivíduos para a constituição de um tipo de “quadro social”- passível de analises sociológicas.
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[2] Essa noção de habitus pode ser entendida, de modo geral, como um tipo de automatismo gerado por um processo de encucação que desenvolve-se no entrelaçar de fatores individuais e coletivos.É importante para a interpretação de padrões e modelos culturais desenvolvidos em grupos e instituições, que são exigidos pelos indivíduos para a constituição de um tipo de “quadro social”- passível de analises sociológicas.
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