quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A descrição densa e a antropologia interpretativa de Clifford Geertz.

por: Carla Maria Lobato Alves*

Nesta resenha levantaremos algumas considerações epistemológicas feitas pelo antropólogo norte-americano Clifford Geertz em “A Interpretação das Culturas” (1989), primeira publicação em 1973, e “O Saber Local” (1997), primeira publicação em 1983, tendo como ponto de debate, respectivamente, os textos “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura” (1989) e “Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento antropológico” (1997).

Geertz (1989, p.13) levanta questionamento sobre o uso indiscriminado de certas idéias que surgem no âmbito intelectual. Sua crítica aparece fazendo menção à maneira como essas idéias pareceriam “resolver” ou “solucionar” os pontos obscuros. Para o autor, depois de passado o entusiasmo pelo uso dessas certas idéias, alguns intelectuais ponderam o uso desmedido ao aplicá-las “onde ela realmente se alia e onde é possível expandi-la, desistindo quando ela não pode ser aplicada ou ampliada” (1989, p.13).

Partindo desta consideração, Geertz critica o uso desenfreado do conceito de cultura seja por conceitos que são bastante abrangentes, no caso de Tylor, ou por conceitos bastante difusos, no caso de Clyde Kluckhohn. Da mesma maneira critica o uso limitado de conceitos de “experiência-próxima” ou de “experiência-distante”, pois os primeiros “deixariam o etnógrafo afoga em miudezas e preso em um emaranhado vernacular” (GEERTZ, 1997, p.88) e os segundos “o deixaria perdido em abstrações e sufocados em jargões” (GEERTZ, 1997, p. 88). Desse modo, o autor explica que a antropologia interpretativa não deve escolher qual dos dois conceitos é melhor que o outro, mas sim fazendo uso de cada um quando for necessário à análise.

Geertz defende que o conceito de cultura é semiótico, ou seja, “acreditando como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como essas teias” (1989, p.15). A análise dessas teias deve ser feita por uma ciência interpretativa que busca analiticamente os significados, e não por uma ciência experimental que busca leis.

Clifford Geertz centraliza sua análise no comportamento humano e, consequentemente, na ação simbólica. Neste ponto o autor aproxima-se bastante de Max Weber, pois aquele está preocupado em apreender o sentido das ações sociais. Percebemos isto ao destacar os estudos feitos sobre a “noção de pessoa” em Java, Bali e Marrocos (1997, p. 89). Foi buscando compreender as representações que pessoas dessas sociedades faziam de si e do outro que o autor focaliza os significados simbólicos imprimidos na noção de “eu”.

O autor destaca que o método adequado à análise interpretativa da antropologia é a descrição densa, noção emprestada de Gilbert Ryle. A importância da etnografia feita através da descrição densa está na perceber as particularidades, ou miudezas através das seguintes quatro características: “ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixa-lo em formas pesquisáveis (...) ela é microscópica” (GEERTZ, 1989, p. 31). Somente a descrição densa permitiria distinguir, de acordo com o exemplo citado, os tiques nervosos, as piscadelas por conspiração com um amigo, as piscadelas por imitação e as piscadelas ensaiadas. A distinção será obtida diante do sentido impresso pelo indivíduo, na medida em que é compartilhado e compreensível pelos demais. O etnógrafo só pode captar as diferenças de significado buscando o “ponto de vista dos nativos” (GEERTZ, 1997).

Nesse sentido, as críticas tecidas a Bronislaw Malinowski revelam que para obter o ponto de vista dos nativos não é preciso morar com eles, tornar-se um nativo ou copiá-lo, mas sim procurar conversar e situar-se entre eles para captar o sentido das ações sociais que são compartilhados entre os indivíduos. Deste modo, o etnógrafo “deve atentar-se para o comportamento e, com exatidão, pois é através do fluxo do comportamento – ou mais precisamente, da ação social – que as formas culturais encontram articulação” (GEERTZ, 1989, p.27).

Peguemos os estudos feitos entre as décadas de 50 e 60 em Java, Bali, e Marrocos como exemplo. Geertz demonstra que a noção de pessoa é nestas sociedades bastante diferente tanto entre si, quanto em relação à nossa concepção. Para entender essas concepções, através de uma descrição densa, o autor mostra que é importante ver tanto as particularidades que as compõe, como noções de dentro e fora (batin e lair) para os javaneses (1997, p. 92), de dramatis personae e marcadores de título por nascimento, parentesco para os balineses (1997, p. 95) e a forma lingüística marroquina conhecida por nisba (1997, p.100), como a relação destes elementos ao contexto. É diante da relação que apresentam com o contexto que “o significado emerge do papel que desempenham no padrão da vida decorrente” (GEERTZ, 1989, p. 27).

Outro aspecto relevante da etnografia, levantado por Geertz, faz referência ao registro do discurso social, ou seja, ao manejo que o etnógrafo realiza transformando-o de acontecimentos passados para relatos que podem ser consultados outra vez, vide, por exemplo, os próprios estudos feitos pelo autor, bem como chama atenção para a obra de Malinowski. Menciona também que os estudos e pesquisas antropológicos são pontos de partida para outras pesquisas. Geertz (1989) acrescenta que etnografia tem que ser mais interpretativa do que observadora, pois o etnógrafo observa, registra e analisa.

Geertz (1989) destaca duas condições da teoria cultural. A primeira condição refere-se às resistências que abordagens interpretativas tendem realizar a com a articulação conceptual. Entendemos deste modo, que não se deve limitar o uso de uma teoria ou outra, de forma clivada, como se o uso de uma destas excluísse a outra. Dessa maneira, o erro projeta-se como autovalidante, e tende a aumentar quanto mais persistir o desenvolvimento teórico em questão. A segunda condição da teoria cultural refere-se às suas premissas não proféticas, pois as teorias não devem projetar resultados de manipulações experimentais, mas devem sim provocar interpretações de assuntos já sob controle. Deste modo o autor reforça uma de suas primeiras críticas, mencionada anteriormente, referente ao uso desmedido de teorias que se encaixem em todo em qualquer estudo, como se as realidades tivessem que modelar obrigatoriamente às teorias. Conforme Geertz, as teorias precisam “sobreviver intelectualmente” e não sobreviver sustentando-se somente em realidades passadas. Compreendemos assim, a diferença entre as ciências experimentais e as ciências interpretativas.

Por fim, o autor destaca que nunca chegou “próximo do fundo de qualquer questão sobe a qual tenha escrito, tanto nos ensaios abaixo como em qualquer outro local” (GEERTZ, 1989, p. 39). Assim sendo, Geertz (1997, p. 105) demonstra que a análise é incompleta, feita conjuntamente “entre o menor detalhe nos locais menores, e a mais global das estruturas globais, de tal forma que ambos possam ser observados simultaneamente”. Acrescenta que só podemos apreender os significados almejados tendo em vista as partes que compõe e englobam o todo, como bem fez Clifford Geertz nas referidas obras.

Referência Bibliográfica:

GEERTZ, Clifford. “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura”. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. p. 13-41.

_____________. “Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento antropológico”. In: GEERTZ, Clifford. O Saber Local. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 85 -107.

_______________________________________________

*Possui graduação em Ciências Sociais e é mestranda do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Tem experiência na área de Sociologia.

mais informções no Lattes

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom este artigo, como posso citalo?